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O Brasil Holandês: Uma História de Conquista e Influência

  • eduardhenry8
  • 6 de jun. de 2024
  • 7 min de leitura
Moinhos de vento holandeses tradicionais com grama verde em primeiro plano, Países Baixos
Moinhos de vento holandeses tradicionais. (Designed by www.Freepik.com)

A presença holandesa no Brasil foi muito importante, embora seu período tenha sido curto, durando apenas 24 anos. Durante o governo de Maurício de Nassau, o Brasil conheceu uma notável efervescência cultural, com a chegada de artistas, cientistas e profissionais que transformaram os ares coloniais. Pernambuco foi o ponto de partida, mas as capitanias do nordeste foram profundamente impactadas pela presença holandesa. Ironicamente, a história da Holanda no Brasil começa a ser contada a partir do domínio espanhol com a União Ibérica. Suas contribuições e transformações foram fundamentais para a formação do Brasil.


A União Ibérica

Portugal, anexado ao reino de Castela desde tempos medievais, conquistou sua independência em 1411 sob a liderança de D. João I, fundador da Dinastia de Avis. Este período marcou o início das grandes aventuras marítimas portuguesas, que contribuíram significativamente para a globalização. A Dinastia de Avis terminou com o reinado de D. Sebastião, que desapareceu em uma cruzada contra os mouros, gerando o mito do sebastianismo.


Filipe II de Espanha, Filipe I de Portugal em c.1570.

Com a morte de D. Sebastião sem herdeiros, o trono passou para seu tio, o cardeal D. Henrique, que morreu 14 meses depois, também sem descendência. Esta crise sucessória permitiu que Filipe II da Espanha, neto de um rei português, reivindicasse o trono. Filipe II, com sua poderosa força militar, ocupou Portugal e consolidou seu domínio, incluindo suas colônias, por 60 anos.


Durante o domínio espanhol, de 1580 a 1640, o Brasil ganhou destaque geopolítico, expandindo-se além das fronteiras estabelecidas pelo Tratado de Tordesilhas. A União Ibérica permitiu a abertura de novas rotas de comércio, a fundação de novos povoados e o impulso na exploração de minerais. Os bandeirantes paulistas aproveitaram a liberdade para explorar o interior, contribuindo para o delineamento do território brasileiro atual.

O Meridiano de Tordesilhas segundo diferentes geógrafos: Ferber (1495), Cantino (1502), Oviedo (1545), os peritos de Badajoz (1524), Ribeiro (1519), Pedro Nunes (1537), João Teixeira Albernaz, o velho (1631, 1642) e Costa Miranda (1688).

... E os Holandeses?

Em que ponto se encaixam os holandeses nessa história? Assim como Portugal, as terras da Holanda também estiveram sob domínio espanhol por muitos anos. Ao se livrarem do domínio espanhol, os holandeses trataram de expandir seu comércio e assegurar o controle dos principais fornecedores dos produtos que vendiam na Europa. Como o açúcar era um desses produtos, era importante controlar o maior produtor de açúcar do mundo: o Brasil.


Uma Breve História da Holanda

Os holandeses sempre enfrentaram grandes desafios em sua história: controlar a natureza da região pantanosa onde viviam e repelir invasões estrangeiras. Quase metade do território, abaixo do nível do mar, era periodicamente inundado. Para drenar os pântanos, construíram moinhos de vento, que se tornaram cartões postais do país. Os moinhos acionavam bombas hidráulicas que retiravam a água, depositando-a em reservatórios. Diques também foram construídos para deter o avanço das águas, e as terras livres foram usadas para o cultivo de cereais e criação de vacas leiteiras.


Os diques e moinhos frequentemente quebravam, alagando terras, mas os holandeses sempre reconstruíam com dedicação. Pior que as forças da natureza eram os ataques de invasores. Na antiguidade, os batavos foram dominados pelo Império Romano e, posteriormente, pelos francos no século V. Na Era Moderna, a Holanda foi incorporada ao Império dos Habsburgos, sob o domínio de Filipe II da Espanha, no século XVI. Durante esse período, muitos holandeses adotaram o protestantismo, enquanto Filipe II e a Espanha se mantinham católicos fervorosos, levando a conflitos religiosos.

Mapa da Holanda da Borgonha 1477. As 17 Províncias. Autor: Denis Jacquerie. (Fonte: WikimediaCommons)

A Holanda, já uma grande comerciante e desenvolvedora de uma próspera indústria naval, buscou sua independência. A guerra pela independência foi árdua até que, em 1579, as sete províncias do norte, majoritariamente protestantes, separaram-se do sul católico pelo Tratado de Utrecht, formando a República Unida da Holanda. Em 1581, a Holanda tornou-se independente, e em 1609, assinou um tratado de não agressão com a Espanha, reconhecendo praticamente sua independência. Esse período de trégua permitiu aos holandeses desenvolver ainda mais seu comércio ultramarino.


Durante a Guerra dos Trinta Anos, a Espanha teve seu poder diminuído, enquanto a Holanda lucrou vendendo produtos e emprestando dinheiro. Antes da trégua com a Espanha, a Holanda criou a Companhia das Índias Orientais para proteger seu comércio com o Oriente e capturar navios espanhóis. O sucesso foi tanto que fundaram a Companhia das Índias Ocidentais (em neerlandês, Vereenigde Oost-Indische Compagnie, com a sigla VOC) para estabelecer colônias na América e África, conquistando parte do nordeste brasileiro.


As tentativas de ocupação do Brasil pelos holandeses


Holanda e Portugal eram aliados, com os portugueses mantendo um intenso comércio de escravos e açúcar com os holandeses. Os holandeses adquiriam vinhos, drogas do Oriente e sal de Setúbal nos portos portugueses, enquanto deixavam trigo, peixe, queijos, aparelhos náuticos e tecidos. A produção de açúcar no Brasil estreitou ainda mais os laços, com quase todo o açúcar brasileiro sendo refinado na Holanda. Em 1621, Amsterdã possuía cerca de 25 refinarias de açúcar, financiadas em grande parte por banqueiros holandeses. No entanto, com a União Ibérica, a Holanda, inimiga da Espanha, foi proibida de comerciar no Brasil, perdendo um ponto comercial vital.

 

Diante dessa proibição, invadir o Brasil tornou-se uma consideração estratégica para a Holanda, que buscava controlar a próspera região do açúcar e obter uma posição estratégica para atacar galeões espanhóis carregados de prata. O Brasil era composto por 14 capitanias, habitadas por portugueses, africanos, índios e mestiços, com populações concentradas em Olinda, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. O plano holandês era ocupar Salvador, a capital do território brasileiro, para estabelecer o controle sobre a região mais importante e estratégica.


A ocupação da Bahia

A invasão da Bahia ocorreu de forma anunciada. Espiões espanhóis já haviam avisado o rei Filipe II de que os holandeses estavam se preparando para invadir Salvador. Mesmo assim, o governador da Bahia não conseguiu convencer o rei a fortificar a cidade. O rei se comprometeu a construir a Sé com o bispo e deixou de lado a construção do forte. Não foi difícil para a esquadra holandesa tomar Salvador em maio de 1624.

Vista da batalha entre holandeses e portugueses pela cidade de Salvador, na Baía de Todos os Santos, em 1624. (Domínio Público - Wikimedia Commons)

Foram necessárias 24 horas para que os habitantes fugissem e os soldados holandeses ocupassem e saqueassem a cidade. Apenas o governador Diogo de Mendonça Furtado ficou na cidade, com espada em punho, para enfrentar os holandeses. Ele acabou sendo preso e deportado para a Holanda, juntamente com inúmeras iguarias que representavam as riquezas da recém-conquistada terra. No entanto, mesmo com a conquista fácil de Salvador, o restante da Bahia não foi possível. A resistência no interior de brasileiros e portugueses foi muito intensa, e o uso da guerra de guerrilhas foi fundamental para evitar o estabelecimento dos holandeses. Em março de 1625, os espanhóis enviaram para o Brasil a maior frota de marinha de guerra que já havia cruzado o equador: 52 navios com 12 mil homens. Os holandeses foram derrotados, mas não desistiram do Brasil, logo retornariam.


Holandeses em Pernambuco

Depois dos prejuízos causados pela ocupação de Salvador, a Companhia das Índias Ocidentais esperou alguns anos antes de tentar uma nova invasão. Desta vez, o alvo foi a capitania de Pernambuco, a mais rica das capitanias, mas também menos preparada para enfrentar uma invasão. Embora tenha havido uma valente defesa da terra, a ocupação foi inevitável e muito mais duradoura do que na Bahia, estendendo-se por mais de vinte anos.

 

Quando recebeu a notícia de que os holandeses iriam atacar Pernambuco, Matias de Albuquerque, governador da capitania, estava na Espanha. Ele foi despachado rapidamente para o Brasil com apenas três caravelas e vinte e sete soldados. Com tão poucos recursos, mas contando com o auxílio de muitos defensores, nada pôde fazer contra a esquadra inimiga, composta por mais de cinquenta navios e sete mil homens. Em 1630, essa esquadra chegou ao litoral pernambucano. Com forças tão poderosas, os holandeses tomaram facilmente Recife e Olinda. Matias de Albuquerque, no entanto, teve tempo de incendiar vinte e quatro navios que estavam no porto, carregados de pau-brasil e açúcar, para que o inimigo não se apoderasse dessas riquezas.

 

Para cortar as comunicações entre Recife e Olinda, Matias de Albuquerque fundou o Arraial do Bom Jesus, que resistiu a todos os ataques por cinco anos. Em 1631, a Holanda enviou ao Brasil uma esquadra de socorro. Em Pernambuco, a situação dos invasores estava cada vez mais difícil, pois as guerrilhas e emboscadas impediam que eles avançassem para o interior. Contudo, em 1632, a deserção de Domingos Fernandes Calabar, que antes havia lutado ao lado de Matias de Albuquerque, favoreceu os holandeses. Guiados por Calabar, os holandeses apoderaram-se da Vila de Igarassu e conquistaram o Forte do Rio Formoso, defendido apenas por vinte homens. Quando entraram no forte, depois de quatro ataques, encontraram dezenove cadáveres. Estava vivo apenas o comandante, Pedro de Albuquerque.

Recife foi a mais cosmopolita cidade da América durante o governo do conde alemão (a serviço da coroa holandesa) Maurício de Nassau. Na imagem o Palácio de Friburgo, demolido no século XVIII. Autor: Frans Post (Wikimedia Commons)

Após a estabilização dos holandeses em Pernambuco, o governo do território ficou nas mãos de um conselho com número variável de membros e de um comandante-em-chefe do exército, com o título de governador. Esses administradores frequentemente entravam em conflito, prejudicando os negócios da Companhia das Índias Ocidentais. Para resolver essa situação, decidiram nomear um governador com amplos poderes.






Maurício de Nassau

Maurício de Nassau em Cleves (Alemanha), onde faleceu aos 75 anos. Autor: Jan de Baen. (Wikimedia Commons)

Em 1637, João Maurício de Nassau-Siegen, um conde de 32 anos de idade, pertencente a uma honrosa família de nobres holandeses chegou a Pernambuco para governar os domínios holandeses no Brasil. Além de sua formação militar, Nassau tinha uma vasta formação humanista: estudou teologia, filosofia, era praticante de equitação e esgrima, entre outros saberes. Amigo de pintores, poetas e cientistas, falava fluentemente holandês, alemão, francês e latim.

 

Ele fez uma excelente administração, conquistando a simpatia dos vencidos. Tolerante, competente e dedicado, Nassau atraiu os plantadores luso-brasileiros concedendo-lhes empréstimos para reerguer seus engenhos, deu liberdade de culto, tratou bem os nativos, aumentou a produção de açúcar, urbanizou Recife, protegeu artistas e trouxe inúmeros cientistas para estudar a natureza do Brasil. Foi um verdadeiro príncipe.


A expulsão dos holandeses


Com o fim do domínio espanhol sobre Portugal em 1640, o novo rei português, D. João IV, decidiu recuperar o Nordeste brasileiro do domínio holandês. Esse período coincidiu com o descontentamento dos senhores de engenho do Nordeste brasileiro em relação aos holandeses. Nassau já havia retornado para a Holanda e, para explorar ao máximo a produção de açúcar brasileiro, a Holanda adotou inúmeras medidas impopulares, especialmente o aumento dos impostos, contrariando os interesses dos proprietários de engenho. Além disso, os holandeses cobravam constantemente as dívidas contraídas pelos produtores na época de Nassau.

 

Os senhores de engenho do Nordeste iniciaram a luta contra os holandeses, que durou cerca de dez anos. Sob a liderança dos senhores de engenho, os colonos da região foram mobilizados e travaram várias batalhas contra os holandeses. As mais importantes foram as batalhas dos Guararapes e Campina da Taborda. A expulsão definitiva dos holandeses teve início em junho de 1645, em Pernambuco, através de uma insurreição popular liderada pelo paraibano André Vidal de Negreiros, pelo senhor de engenho João Fernandes Vieira, pelo índio Felipe Camarão e pelo negro Henrique Dias. A chamada Insurreição Pernambucana chegou ao fim em 1654, libertando o Nordeste brasileiro do domínio holandês.


 

Pintura religiosa representando a cena da Batalha de Guararapes. Em primeiro plano, no canto inferior direito, um anjinho apoiando uma moldura barroca com a mão direita e apontando para as inscrições, em tinta branca com fundo escuro, com a mão esquerda. No canto superior esquerdo, a imagem de Nossa Senhora com o Menino Jesus observando a batalha.
A Batalha dos Guararapes foi travada em dois confrontos entre o exército holandês e os defensores do Império Português no Morro dos Guararapes, atual município de Jaboatão dos Guararapes, localizado na Região Metropolitana do Recife, em Pernambuco, Brasil. O primeiro confronto ocorreu em 18 e 19 de abril de 1648, e o segundo e decisivo, em 19 de fevereiro de 1649. Esse fato marcou o fim da presença holandesa no Brasil, no século XVII. 1758 autor desconhecido. (Wikimedia Commons)

A expulsão dos holandeses teve um impacto negativo sobre a economia colonial. Durante o período em que estiveram no Nordeste, os holandeses tomaram conhecimento de todo o ciclo da produção do açúcar e aprimoraram os aspectos técnicos e organizacionais do empreendimento. Quando foram expulsos do Brasil, dirigiram-se para as Antilhas, na região da América Central, e lá aplicaram seus conhecimentos, tornando o açúcar das Antilhas mais rentável e de melhor qualidade do que o brasileiro, levando ao fim do ciclo da cana-de-açúcar no Brasil.

 
 
 
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