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Resenha: Um estudo sobre a formação da hinódia protestante brasileira.

  • eduardhenry8
  • 3 de jun. de 2024
  • 6 min de leitura

LUI, Eduard Henry. DOLGHIE, Jaqueline Ziroldo. Um estudo sobre a formação da hinódia protestante brasileira. In Âncora (Instituto Âncora de Ensino. Online), v. 1, p. 83-106, 2006.


A autora do texto analisado é Jaqueline Ziroldo Dolghie, graduada em Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e Bacharelado em Música pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Tem Doutorado e Mestrado em Ciências Sociais e Religião pela UMESP e Pós-doutorado no Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião da Universidade Mackenzie. É pesquisadora na área de Sociologia da Religião e sociologias diversas, com especificidade na análise do campo religioso brasileiro; mercado e marketing religioso; culto e liturgia. A produção bibliográfica da autora é bastante vasta e segue na área de análises sociológicas sobre temas fundamentados na hinologia protestante, o mercado de produção musical gospel, o culto protestante, sociologia da religião e as tendências musicais evangélicas da atualidade.


Em Um estudo sobre a formação da hinódia protestante brasileira, no qual nos debruçamos para esta breve análise, a autora enfoca a importância dos hinos que constituem os únicos elementos genuinamente sacros diante de cânticos de caráter popular, especialmente os influenciados pela música popular brasileira. Ela pretende mostrar que a hinologia brasileira foi basicamente desenvolvida nos movimentos religiosos de avivamento; fundamentados, por sua vez nas canções populares dos Estados Unidos. Dessa forma, a autora ressalta a necessidade de uma produção musical brasileira nos cultos considerando que não deveria haver discussão sobre músicas sacras eruditas e populares no contexto das igrejas protestantes brasileiras pois as origens das canções são muito similares e não revelam, em sua origem norte americana, alguma distinção nesse sentido.


Já em sua introdução a autora aponta sobre a pouca preocupação que o protestantismo brasileiro teve em relação com a sua hinologia. A praxis cúltica demonstrou que a música, embora completamente envolvida na liturgia protestante, recebeu pouca atenção no sentido de refletir sobre certas contradições o que impediu, de certo modo, a inovar e trazer elementos diferenciados coerentes à sua prática de culto.


Para trazer à tona a discussão sobre a formação da hinódia brasileira, oriunda das canções e hinos protestantes estadunidenses, a autora se debruça sobre definições metodológicas, em especial a diferenciação entre salmos, hinos e cânticos espirituais expressos na carta paulina aos Efésios 5:19. Ela afirma que a definição de hino ainda não foi totalmente esgotada, a partir de uma rápida análise, constata-se que o tipo ideal de hino é aquele que exclui um modelo de produção musical. Dolghie traz a ideia que, para além da questão do que é o hino, ou do que ele não é, e acresce a necessidade de um conceito para música sacra. A autora questiona se há uma oposição direta àquilo que é considerada música profana e constata que música sacra, ou religiosa, é menos música e mais sacra, concordando e citando Jaci Maraschin.


Da mesma forma, Dolghie evidencia em seu texto que ainda há confusão a respeito dos conceitos de corinhos, cânticos e hinos. Afirma que há uma falta de clareza sobre o que é cada um evidenciando uma tentativa de classificar aquilo que é próprio e o que é impróprio para ser aplicado a um culto à Deus. Ela afirma que após a Reforma Protestante a música cristã ocidental ficou dividido entre o catolicismo romano e o protestantismo. No âmbito do protestantismo os estilos musicais mais popularizados foram os Salmos de João Calvino e os Corais de Martinho Lutero.

Martinho Lutero cantando com sua família.

Para Lutero a música é vista como um importante instrumento de divulgação da fé reformada. Assim, Lutero criou o estilo musical denominado Coral, caracterizado pelo uso da língua local (no caso, a língua alemã) em oposição ao latim comumente usado nas liturgias católicas, o uso de uma métrica versificada e silábica, cantada em uníssono e à capella. A função do coral era acompanhar a congregação a fim de compreender o texto cantado. Lutero se apropriou de hinos latinos e medievais, de canções populares cujas letras eram substituídas por letras de cunho religioso. Para ele, as letras determinavam a sacralidade da música. A autora constata portanto que, desde o início da música protestante existe a aproximação da música popular com a música erudita.

O estilo difundido por Calvino, os Salmos, eram assim chamados porque ele entendia que os Salmos da Bíblia eram a única forma de se cantar a Deus. Eles eram cantados metricamente em uníssono e à capella. Calvino, assim como Lutero, prezava pela simplicidade musical. O chefe da igreja de Genebra publicou o Saltério com regras rígidas de composição; eles se tornaram populares e influenciaram a música sacra na Inglaterra, Escócia e Estados Unidos.


A trajetória da considerada música sacra tem sequência no texto apresentando a hinódia inglesa que influenciou a posteriormente a salmodia americana, com pouca influência da hinódia luterana. A salmódia prevaleceu na Inglaterra até o século XVII e a transição da salmodia para a hinódia moderna não foi simples, conforme relata a autora. Elementos como a versão musical e literária inferiores dos saltérios ingleses, a prática do lining-out, quando uma pessoa lia linha por linha do salmo para que a congregação repetisse em tons mais graves, e a falta de contextualização dos salmos para o público inglês foram fatores que exigiram a mudança. Evidencia-se as igrejas independentes (não anglicanas) como pioneiras na elaboração de hinódia e a autora verifica que a hinódia Batista e Congregacional se libertaram das amarras da composição musical seguir uma tradução literária da Bíblia. Verifica a importância dos irmãos Wesley (Metodismo) na ampliação do repertório hinológico, em especial com a experiência de John Wesley com os Morávios na América do Norte.


John Wesley, por George Romney (1789)

Nos Estados Unidos a autora relata que o hino luterano chegou pelos colonos alemães, mas não ganhou espaço e repercussão tanto quanto os Salmos de origem inglesa. A transição da salmodia para hinódia nos Estados Unidos deu-se de maneira lenta e a incorporação do hino ocorreu especialmente com o Grande Despertar de 1740; considerando que até 1800 foi a grande fase de movimentos avivalistas em solo norte-americano. As músicas são descritas no texto caracterizadas por um forte apelo emocional, tal como as experiências nos cultos avivalistas. Dolghie ressalta, neste contexto a importância dos acampamentos (camp-meetings) metodistas que produziam uma música de caráter popular, concomitante ao surgimento do Hino Evangelístico e do Hino Folclórico. Os movimentos religiosos necessitavam de uma produção musical própria, a autora traz o questionamento: como evangelizar sem cantar as músicas do povo? Justifica assim a entrada de estilos mais populares entre as massas, no entanto ainda mantendo a tradição dos hinos mais clássicos e eruditos em detrimento a uma produção musical popular considerada mais simplista.


Uma gravura de uma reunião de acampamento metodista em 1819 (Biblioteca do Congresso).

No Brasil, o protestantismo de missão, se firmou a partir de 1850, Jaqueline Dolghie afirma que as diferentes denominações seguiam padrões e celebrações muito semelhantes, cujo objetivo era sempre expurgar o mal do catolicismo. Reitera que tanto a teologia quanto a música eram importadas da Hinódia folclórica dos acampamentos e dos movimentos avivalistas. A autora traz a importância do casal Robert e Sara Kalley para a hinódia brasileira, afirma que seus poemas eram encaixados em melodias — tanto europeias quanto estadunidenses — já existentes, traduções foram colocadas em melodias diferentes das compostas originalmente. O primeiro hinário protestante brasileiro, o Salmos e Hinos de 1861, organizado pelo casal Kalley, é apontado, conforme aponta Antônio Gouvea de Mendonça citado por Dolghie, como um compêndio de teologia para ser cantado. Tal caracterização afirma não apenas a importância, mas a consistência da coletânea para uma população onde poucos eram alfabetizados.


Jaqueline Dolghie destaca três aspectos que caracterizam a produção hinódica do protestantismo brasileiro: a despreocupação com a originalidade musical; o estilo popular estadunidense e a presença marcante da teologia dos avivamentos; evangelística e individual. Sendo assim, a autora constata que a hinódia protestante brasileira foi toda selecionada e desenvolvida a partir dos hinos americanos folclóricos e evangelísticos, de tradição não litúrgica, que por sua vez eram influenciados pela balada romântica, pelo carol inglês e por elementos simplistas dos avivamentos. Sendo assim, conclui que o repertório hinódico do protestantismo brasileiro está todo ele calcado em composições de diversas influências populares inglesas, alemãs, estadunidenses e mantinha-se fechado para composições que considerassem de origem popular brasileira.


O texto de Jaqueline Dolghie é bastante rico em informações e traz uma trajetória bastante pormenorizada da construção da hinódica protestante. A discussão por ela remete a um debate que analisamos hoje já ser superado, no entanto, constata-se historicamente essa relutância nas igrejas protestantes, em especial as históricas, de absorver as músicas conhecidas como corinhos ou cânticos espirituais, especialmente utilizando-se de ritmos brasileiros, na liturgia dos cultos, sendo estas bem aceitas para ocasiões de acampamentos, cultos nos lares, reuniões de jovens e crianças. A autora apresenta uma crítica à hinódica brasileira que se propõe contrária a uma aproximação com o popular brasileiro mas se entrega totalmente às canções de caráter popular estrangeiros, estadunidenses principalmente. Canta-se em nossos cultos a hinódica folclórica e popular dos outros e não aceitamos a nossa.


Novos paradigmas se apresentam na atualidade a respeito da hinologia protestante, as consideramos o presente texto de grande relevância, especialmente para nossa pesquisa que trata exatamente de um missionário organizador do hinário batista que seguiu exatamente a prática de adaptar canções europeias e estadunidenses ao idioma brasileiro compondo assim o chamado Cantor Cristão.



 
 
 

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